A Carta Apostólica Desiderio desideravi, do papa Francisco, tem como principal objetivo despertar em todo o povo de Deus, a começar pelos celebrantes, o interesse pela beleza da liturgia e a capacidade de deixar-se encantar e “formar” por ela, imergindo naquilo que o Papa define como “oceano de graça que inunda cada celebração”. Em sua Carta Apostólica, o santo padre percorre um caminho que vai ao coração da celebração litúrgica, que é, ao mesmo tempo, “o ápice para onde tende a ação da Igreja” e “a fonte de onde brota toda a sua energia”, como ensina o Concílio Vaticano II. Romano Guardini, teólogo alemão naturalizado italiano, é profusamente citado no texto. Cada parágrafo do novo documento de Francisco é permeado pela consciência de que a liturgia é, antes de tudo, deixar espaço para um Outro: “Antes de nossa resposta ao seu convite – muito antes –, há o seu desejo de nós: podemos nem mesmo ter consciência disso, mas cada vez que vamos à missa, a primeira razão é porque somos atraídos pelo seu desejo de nós. De nossa parte, a resposta possível, a ascese mais exigente, é, como sempre, a de entregar-se ao seu amor, de querer deixar-se atrair por ele”. Partir dessa consciência, redescobrindo a beleza da liturgia, abrindo-nos à formação e deixando-nos formar por ela, pode ajudar a limpar o campo de tantas inadequações. Se participar da celebração significa “ouvir as palavras” de Jesus e “ver seus gestos, mais vivos do que nunca”, não podem prevalecer o protagonismo narcisista do celebrante, a espetacularização, a rigidez austera ou o desleixo e a banalização. E a liturgia, que é “fonte e ápice”, não pode ser transformada no campo de batalha onde se tenta passar uma visão da Igreja que não acolhe o que foi estabelecido sinodalmente pelo Concílio Ecumênico Vaticano II.